Surgem então novos amores para ele e para ela, gravidez indesejada, traições, casamentos, brigas, divórcios, filhos, mudança para novos países. Tudo isso ocorre entre a infância e a idade adulta (durante mais de 30 anos). Simplesmente Acontece tem o prazer sádico de postergar a história mais previsível do mundo, como se o amor entre o casal fosse ainda mais belo por suportar tantas provações. Mas não se preocupe: o ritmo da história é leve, saturado de truques do cinema indie adolescente, incluindo canções folk a cada cinco minutos, personagens adoravelmente imaturos e coadjuvantes funcionando apenas como alívio cômico.
Isso sem falar na fotografia surreal, situando os personagens sempre no amanhecer ou entardecer, com luzes avermelhadas atravessando as janelas e flaresdominando cada paisagem. A imagem rosada do cartaz condiz com a iluminação deste filme, que parece construído com algum filtro do Instagram. O resultado é uma contradição problemática entre o caráter social realista (representado pelo meio operário de classe média baixa em que vive Rosie) e o ponto de vista romântico (no cenário de conto de fadas proposto pela estética).
Lily Collins, inspirada na escola Zooey Deschanel de atuação, tenta ser fofa e desengonçada ao extremo, sorrindo gentilmente numa cena, para tropeçar e cair no instante seguinte. Sam Claflin faz o garoto musculoso e belo que se esconde atrás de um corte de cabelo fora da moda, para se transformar em uma espécie de nerd virgem. Mais de quinze anos de história são retratados com os mesmos atores, e a direção de arte se contenta em mudar roupas e penteados, como se isso fosse suficiente para diferenciar um adulto de 30 anos de um adolescente de 18 anos. Simplesmente Acontece lembra aquelas comédias românticas ingênuas dos anos 1990, comoEla é Demais: basta prender o cabelo de uma garota lindíssima e colocar um par de óculos para que ela se torne feia e excluída. O mecanismo é simples como nas festas à fantasia.
Enquanto isso, o roteiro tenta, mas não consegue construir de maneira orgânica tantas transformações na vida de Alex e Rosie. Talvez o livro original tivesse mais tempo de detalhar os conflitos, mas no filme cada sucessão parece apressada, e por isso mesmo, pouco verossímil. Como os amigos extremamente próximos ficariam subitamente mais de um ano sem se falar ou se procurar (durante a gravidez)? Como a mãe religiosa e conservadora de Rosie não se surpreenderia com o fato de a filha adolescente ter engravidado de um garoto qualquer? Como o pai ausente da criança passaria anos sem se interessar, até retornar carinhoso e interessado? Só por causa de um desenho?
Com o passar da história, o roteiro desenvolve uma visão um tanto grotesca da vida adulta (vide a relação burguesa entre Alex e a namorada americana), da arte contemporânea (a exposição de Herb), da moda (a modelo bela e fútil)... Os valores, no final das contas, são bastante tradicionais. Simplesmente Aconteceaborda o sexo com relativa naturalidade, mas ainda defende que o aborto está fora de questão, que toda mulher só pode ser feliz se estiver em um relacionamento, e que toda mãe deveria idealmente estar com o pai de seu filho – mesmo que este homem seja um babaca arrogante. O mais importante é estarem “em família”.
Mas talvez isso importe pouco para os fãs do livro e os fãs do elenco. Como na maioria das comédias românticas, é mais importante entregar a recompensa prometida (no caso, a união de Rosie e Alex) do que garantir originalidade ou complexidade. Simplesmente Acontece traz elenco e equipe comprometidos com uma visão doce do mundo, repleta de mensagens positivas como “o amor sempre vence”, “basta querer muito para ter sucesso na vida” (o mito da meritocracia), e acima de tudo, “não é possível lutar contra o destino”. Os discursos emocionados estão nos lugares certos, os beijos e brigas aparecem em intervalos calculados. A trama cumpre o que se espera dela.
por: Amanda Patricia
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